terça-feira, 19 de outubro de 2010

Imperativo



(Lena Ferreira)

Maldigo
a quem apresentou-me
esse verbo maldito..
logo a mim que, reticente,
conjugava-o no futuro
hoje choro um pretérito imperfeito...

Meu peito
é descompasso dioturno
a alma
sangra em gotas; lenta
mente

Os olhos vagam
pela madrugada
a boca aflita
sem saliva, trava
a pele é frenesi
em arrepios

- o corpo todo
exala duras marcas -

...imperativo
que me faça esquecer-te...

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Sua

(Lena Ferreira)

Gosto de pensar-me tua
em entregas-devaneio, noite afora
madrugadas sussurradas
lua-estrelas, pensamento
na janela espiando, cede, sede, cedo
saliva beijo morno, temperado
calafrios percorrendo-nos inteiros
intensos, tesos, eriçados pelos
gotas salmoradas pelo corpo
pele abrasada, sua, sua, sua
tanto e tanto que o canto esquerdo
para; impulso inesperado, gozo
anunciado e o eco dos gemidos
derramado além do amanhecer

Gosto de pensar-te; sua, sua...

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Um Dia Bom


The Kiss by Princess K8

O dia estava quente. Caminhei lentamente pela rua; flutuava em nuvens. A mente em viagem na imensidão azul pálida de um céu denso pela estiagem de dias. O banho refrescara minha pele morna e aos poucos os fios secos do cabelo recém lavado alçavam voos momentâneos em uma brisa musical. Música, aliás, não faltava em meu bailado. Cada esquina um novo ritmo, cada som uma canção.

Pássaros voavam próximos ao vislumbrarem minha imagem do alto, na tentativa de conseguir alegrar minha caminhada. As flores estavam mais coloridas, as primaveras mais deslumbrantes, sua copa roxa, rosa e branca convidavam à contemplação de um dia calmo e vívido. Rosas se empertigavam nos arames, amores-perfeitos se apertavam a fim de serem notados. Girassóis esqueciam o sol e giravam-se em minha direção, margaridas e violetas cantavam canções de alegria.

Os transeuntes me cumprimentavam, as crianças riam para mim. Um adolescente de bicicleta abriu um largo sorriso de verão e uma senhora cantarolou ao som de um bem-te-vi.

As janelas das casinhas pintadas, da rua próxima, estavam mais coloridas e em algumas delas via-se mulheres sorridentes ou crianças brincalhonas. As roupas dos varais bailavam com um vento bom, fresco e festeiro. As vacas no pasto ao longe, pareciam ensaiar um coro animado e o menino tocador da boiada rodopiava com o cavalo, alegre, matreiro.

Sorri ao perceber que havia uma brisa suave e diferente refrescando-me constantemente o corpo, seguindo-me pelo caminho de pedregulhos com florzinhas brancas às margens. Balancei os cabelos visualizando as altas copas de algumas palmeiras da praça do coreto, alegres e altivas que me convidavam a alçar voos mais altos.

Suspirei profundamente sentindo o ar morno alcançar os pulmões e o coração encheu-se de ternura quando a mente lembrou uma coisa boa. Ria-me sozinha com músicas de amor acompanhando minha marcha. Todas as pessoas pareciam mais felizes, mais alegres e mais bonitas.

Parei no portão do meu trabalho lembrando o que havia me motivado a sair de casa naquela manhã. Suspirei. Eu não tinha dúvidas, encontrava-me apaixonada.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Beijo (2)

Quero um beijo com sabor de sexo,
explorando todas as nuances
entre o côncavo e o convexo das bocas.
Quero aquele beijo que me deixa louca
de tanto querer.
Quero um beijo de estremecer.
Quero um beijo de lambuzar as pernas
e entorpecer a mente.
Quero um beijo diferente
dos que já me deram até hoje.
Quero um beijo como se fosse o primeiro,
beijo com saudade antecipada, o derradeiro,
com gostinho de proibido...
Quero o melhor beijo do mundo,
demorado e profundo...
Quero língua, quero tudo,
mas eu quero com você,
pode ser?

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Fala, que quero auscultar


Não são seus balangandãs ou suspiros afãs
Não é o seu andar, nem seu jeito de olhar
Não é sua troça, seu riso que embola
Não são seus cabelos, nem seus poucos pêlos

Rosa esfacelada, ao vento a trapaça
Espinhos carinhos, não são seus caprichos
Dentes sorridentes, seu filho no ventre
Sua lua parada, no céu ancorada

Não sei bem o que é, minha doce mulher
Mas quando me afasto,sou eu que embaraço
E quero voltar, pro seu colo e ninar
Só você me acalma, me afaga a alma

Foto Woman by Pedro Simões

sexta-feira, 9 de julho de 2010

VIDA BREVE, ARTE LONGA: INVERNO

VIDA BREVE, ARTE LONGA: INVERNO

VIDA BREVE, ARTE LONGA: INVERNO

VIDA BREVE, ARTE LONGA: INVERNO

INVERNO














Perséfone se recolhe
ao reino subterrêneo
Hades a espera.
Foi-se a alegria
e o calor
A terra cobre-se
de folhas secas
orvalho
e frio.
É tempo de recolher-se
no interior
para germinar
a semente primaveril
que cobrirá de flores
a terra
clamando ao renascimento
quando Perséfone
voltará.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Quadro

Cheira à maçã e champanhe,
o vento da boca do rio
onde a moça se banha.

O vento que sente
o leito do seio
causa longo arrepio,

pois perto do rio,
o vento
é muito mais frio.

domingo, 4 de julho de 2010

Gaia


Gaia

Olhei pra ele.
Pisquei, sorri.
Disse: quero te dar um filho.
Depois saí.

Foto Dreaming Nude by Linda Boucher

sexta-feira, 2 de julho de 2010

pão francês




Esta moça, de repente,
vassala de um gaulês gaudério
bom-moço, tão safo,
e com um intempérico
sarrafo
trazendo atritos, colisões
e um cataclismo
—avassalador...

Je ne sais pas
quoi dire, meu amor,

não diga.
alías,
usa-me essa língua
—quase presa
de sotaque—
me afague
as ranhuras
da boca,
a particular fissura
—tão louca—
de minha parte.

e apareça
vez em quando

que cada vez
que me esquece
—inescrupulosamente—
te juro,
um poema
acontece.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

LEOA OU GAZELA, TODO DIA É DIA DELA



Compre pelo email flavia_perez@hotmail.com

domingo, 6 de junho de 2010

Cura



Ela caminhou ao seu lado. As folhas secas trepidando com os passos lentos. Frio. Tudo marrom. Contudo, ao se aproximarem do lago, lentamente foram vendo a mudança de cenário. O belo caminho de primaveras cor de sangue contrastavam com os troncos escuros recém lavados da chuva noturna. Ele levantou os olhos, ela percebeu que eles se iluminaram. Docilmente, a mulher apertou ainda mais o braço do companheiro. Ele sorriu, cabisbaixo, levemente constrangido com a explícita paixão que ela não escondia.

O barulho da madeira velha começou um canto triste, acompanhando os passos do casal. A ponte pequena, muito antiga, marcada pelo tempo. Pararam. Apoiaram-se no parapeito, soltava lascas. Permaneceram longos segundos em silêncio. A vista era diferente. O lago parecia mais longo e infinito. Ela notou que o semblante dele mudara. Mas só notou, não viu. Olhava o horizonte, fingindo estar atenta ao redor. Era ele sua atenção maior, no entanto. Respirou profundamente. O ar gelado refrescou seu interior. Ele a vislumbrou. De olhos fechados, ela sentiu. Voltou os olhos para o homem ao seu lado, semblante sereno, marcas na face. A vida dera-lhe tapas muito fortes, cruéis. Ela ostentava marcas parecidas, muitas não superadas, mas o sangue que corria-lhe as veias anunciava vida pulsante. Ela sorriu, afetuosamente.

___Vê! – ela apontou a linha horizontal que ao longe separava o azul do lago do azul do céu. – Quase não se nota a mudança. Mas ela está lá, ela existe.

Ele parecia confuso. Acompanhou a ponta do dedo dela, visualizou a água, ela corria, quase imperceptível, rumo ao céu. Não se notaria diferença entre os dois cenários, não numa pintura a óleo, o que pareceu aos olhos dele. Seria necessário utilizar cores diferentes, batidinhas leves com tinta branca e tinta azul, misturar as cores para diferenciar água e nuvens quase invisíveis.

A mudança, ele entendeu e sorriu, é sutil. Se achega gradativamente, na medida em que a dor vai sumindo, como um sono calmo chegando devagar. Ele respirou fundo, pela primeira vez em anos, e sentiu que corria vida ali dentro. O ar coçou nas narinas e brincou infantil pelas vias, alcançou os pulmões. E ele finalmente conseguiu entender que não precisava esperar cicatrizar os machucados para voar de novo.

Ali, ele virou-se para ela, vislumbrou seus olhos cheios de promessas possíveis, e a beijou. O futuro chegava calmo, feito sol matutino no inverno que aquece o frio e amorna o corpo. O seu estava queimando. A alma vibrava. A cura virá, mas ele não irá esperar, antes a buscará. E será feliz no processo.
Foto Retired Couple by Boliston

terça-feira, 11 de maio de 2010

O CÃO



O cão arreganhava os dentes diante do portão daquela mansão. O enorme cão cinza de olhos claros parecia querer abocanhar o primeiro que aparecesse para invadi-la. Olhava os passantes com raiva por trás das grades do portão. O seu problema era ser animal. Foi especialmente preparado para defender a propriedade privada. Desde pequenininho davam-lhe um prato de comida e outras recompensas sempre que fazia a coisa certa. O bom e velho Pavlov tinha razão ao desenvolver a teoria do condicionamento. Realmente, o tal estímulo-resposta funcionava mesmo!
Era um cão treinado. Fosse um lobo e agiria apenas por instinto e não olharia as pessoas com tanto ódio. Ódio que lhe fora ensinado por seus donos, pessoas de muitas posses. Por isso, tinham medo de perdê-lo e ensinaram-lhe a cuidar de sua propriedade com zelo como se ela fosse sua. Ensinaram-lhe a ter raiva de pobres, pretos, pedintes, mendigos, molambos. Ensinaram-lhe a odiar qualquer ameaça a seu mundo cor-de-rosa.
Sempre que aparecia no portão um ser estranho, ele atacava. Sabia identificar pelo cheiro as pessoas amigas. Geralmente usavam perfumes franceses e tinham caras iguais, bem cuidadas. Ele via aquelas caras sorridentes, algumas cheias de maquiagem e estava acostumado com elas. Detestava as empregadas, jardineiros e os mordomos. Se pudesse pensar, talvez entendesse essa sua raiva. Estas pessoas lembravam-lhe a sua condição de subserviência, o que o deixaria profundamente irritado. Mas, naturalmente, não pensava. Animais não pensam.

Um dia, esqueceram o portão aberto e ele escapou. No início, bebeu o ar da liberdade. Correu, chafurdou na lama e revirou latas de lixo junto com seus velhos companheiros de espécie. Brigou, latiu para a lua, namorou muitas cadelas...
Mas...Se cansou da liberdade. Não tinha nascido livre, não tinha crescido livre. Toda sua vida viveu recebendo ordens. Quando saiu de casa, esperava que alguém o procurasse. Queria gozar ao máximo o tempo livre que tinha e pretendia voltar assim que fosse encontrado. Ele sabia que era um cão de raça que custava caro, por isso acreditou que seria procurado e encontrado. Andou perto da casa e teria voltado se não tivesse encontrado o portão fechado.
Não foi encontrado. Rondou em volta da casa, acabrunhado, arrependido de ter fugido, deprimido mesmo, com o rabo entre as pernas até que viu outro cachorro no quintal, naquele quintal que fora seu um dia! A dor foi muita e ele ganiu. Choraria se soubesse chorar, mas era apenas um animal sem valor que podia ser substituído por quem possui muito dinheiro. Que faria agora? Qual seria o rumo de sua vida? Ele se perguntaria se entendesse o que estava acontecendo. Mas era apenas um animal. Não sabia pensar.
Como um cão vira-latas, vagou, vagou e vagou, só e abandonado. Comia restos e sentia saudades do tratamento que tinha na casa dos ricos. Tinha cama boa, comida boa, não tomava chuva, não passava frio e só tinha que pagar por isso cuidando da casa deles, não deixando aqueles estranhos entrar. Estes seres com quem agora tinha que conviver e repartir a comida, seres nojentos que às vezes acariciavam-no, outras maltratavam-no. Não gostava deles, queria o cheiro de perfume francês da mansão rica, tinha nojo do mau cheiro dos pobres. A que ponto chegara! Pensaria, se pudesse pensar. Mas era animal. E animal não pensa.

E assim ele vagou por muito tempo sofrendo inúmeras privações. Até que um dia foi encontrado. Não pela família anterior, como ele esperava, mas por um rapaz tão só e abandonado como ele. O rapaz morava sozinho numa casa de um só cômodo num bairro sujo e fedorento da periferia. Não era a mesma coisa, mas já era algum conforto.
Tinha agora o que comer e onde dormir sem passar frio. Porém não se sentia agradecido ao rapaz. Achava que ele tinha feito sua obrigação, portanto não lhe fazia festinhas quando ele chegava, nem lhe balançava o rabo, nem mesmo quando era acariciado. Se pudesse raciocinar, acharia que ele apenas queria companhia e pagava por isto dando-lhe casa e comida. Mas não pensava, não era humano.
O rapaz estava desempregado e saia todos os dias à procura de emprego. Até que soube de um concurso para a Polícia Militar. Prestou-o e passou. Sabendo que o seu cão era de raça resolveu levá-lo para os treinamentos. O cão e o rapaz foram bem aceitos pela polícia, pois os dois eram cumpridores dos deveres e capaz de submeterem a disciplinas rígidas.
O cão logo engordou e ficou mais ágil, seu dono também. A sua cor cinza e o uniforme de seu companheiro, agora um soldado da PM, quase que se confundiam. Sabiam que tinham nascido para este trabalho.
O cão e seus companheiros policiais adoravam maltratar mendigos, pobres, pretos, molambos, crianças pedintes e casais de namorados. Ele percebeu que tinha ido ao lugar certo e chegou quase a ter amizade por seu dono, o rapaz que o tirou das ruas e o levou para ser um cão da polícia militar. Mas não podia sentir estes afetos, era apenas um animal.
Agora, sentia-se quase feliz com seu trabalho, tão parecido com o anterior, de proteger a propriedade alheia. O rapaz, com seu salário e apenas os dois para sustentar, já comia melhor. Havia até carne! Haviam se mudado para uma casinha maior e mais confortável e à noite ele dormia sonhando com perfumes franceses.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

D. Juan de Saias

Muito tempo depois da separação ela achou, numa caixa velha e cheia de coisas que trouxera da casa da sogra, entre cadernos de escola do ex-marido, uma lista bem amassada de todas as garotas que ele havia comido, namorado ou só ficado.

Achou engraçado, patético até, mas depois pensou melhor "talvez estivesse se prevenindo para que não acontecesse o que aconteceu com ela: não se lembrava de todos!!!!"
Quando tentou fazer a sua própria lista mentalmente, sentiu-se um Don Juan de saias, como sua mãe a chamava (e ela não acreditava). Perdeu a conta e resolveu anotar também. Começou a escrever:

2 Marcelos, Giácomo (primeiro beijo), Rogério (primeiro amor, primo de Giácomo), Toninho (primeira dança lenta, segunda, terceira...), Mário, Alberto, Pedro (in memorian), 2 Franciscos (um deles teatrólogo, o outro, só louco), Konga (não era uma macaca, era um homem com o qual botei chifre no Francisco louco),
2 Marcos, Mauro (gêmeo de um dos Marcos), Márcio (o homem mais feio que já existiu), Renato (desvirginei, então tive que noivar), 2 Fernandos...

Pensava “Como consegui me formar? Como conseguia estudar desse jeito? O que a minha mãe estava fazendo que não via isso?” e sorria.

Continuou: 2 Carlos, 2 Guilhermes (in memorian de um), 3 Eduardos, Roberto (o ex-marido), um menino na danceteria idêntico ao Roberto (nem perguntei o nome), Cláudio, Licor (garçom do meu bar), um japinha no carnaval (um açougueiro, de japonês só tinha o olho e o cabelo), o amigo do primeiro Fernando, o Milionário (não posso escrever o nome), o Músico (muito menos), o Desconhecido da net (nenhum nome me ocorreu), 2 Saulos, Flor–de– Lis (esqueci o nome, mas como sempre íamos a um forró que se chamava assim...), Chulo (codinome do professor de pós-graduação mais sacana do mundo), outro japa (dessa vez cientista, cortava grandes carnes em laboratório), Elias (um mulato), Felipe, Daniel, 1 Alex e 1 Alexei, Derico, Ernani, Alfonso.

A seqüência não foi bem essa. Mais ou menos.
Em determinados momentos quis engolir o mundo e as coisas andaram meio nubladas.
Com uns foram só beijos sem namoro, outros namorou e não transou, outros transou e não namorou.
Muito poucos pensou que amou.
Dois ou três sublinhou com cor-de-rosa ou vermelho-vivo: “lembrarei até o dia da minha morte”.
Uns com carinho e saudade, outros por maus motivos.
De alguns sentia até o cheiro, o sabor do beijo, a temperatura e textura da pele, o gemido, a voz.
Não se arrepende de nenhum. Apenas podia ter feito diferente.
Alguns, pensa, ainda podia estar fazendo, não fosse o último...
O último nome ainda não havia colocado. O último.
Tentou escolheu em vão a cor mais bonita da caixa de lápis.
Não havia cor suficiente, não havia cor à altura do nome dele.
O último nome da lista escreveu com uma agulha, depois de picar o dedo e molhar a ponta em sangue.

Ele:_________________________

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Grito


Alguém, por clemência, arranca-me a pele!
Preciso de ar, ficar em carne viva!
Preciso sair, jorrar, explodir
Já não mais aguento permanecer simplesmente
Tem-me sido angustiante a espera, o daqui a pouco
Eu vejo o mar e não posso mergulhar
Eu vejo o ar e não posso voar
Eu vejo a boca e não posso beijar
Eu vejo a dor e não posso chorar
Arranquem-me os grilhões e as correntes
Que minha alma pede passagem!

Foto: Cry por hoogmoet Todos os direitos reservados

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Joio - Flá Perez



Pra ser sincera:

sei que te assanho
e tiro o sossego.

Às vezes me entrego...

Mas na maioria,
é só brincadeira
e se aperta,
eu espano.

Tenho um escudo
à prova
de perdas e danos.
não me julgue pelo vício
--ele é só fumaça--
aquilo que trago
ligeiramente à esquerda
tem mais viço
--e não passa.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Te Quero Tanto

Transparent Heart by Kelsey Love Fusion Photo

Te Quero Tanto
By Cris Linardi

Engulo o choro, sustento o riso
Sopro a tristeza e,
quase voo em mim

Teus assovios e risos
jorrando pelos orifícios
sonhos irreais.

Teu suor e torpor
passando pela onda do rádio
Tua língua úmida
Lambendo-me os olhos

E eu posso ver
vislumbrar o futuro
Você me abriu a despeito de meus medos

Estou me preparando
eu sei que serei mais mulher
Você transmuta meus passos

Tua mão dedilha minh'alma
com maestria tem conseguido decifrá-la
E eu que nunca sequer permiti

Agora me entorno e permito
suspendo meu corpo sobre o precipício
Há uma fé estranha de que você me susterá

segunda-feira, 5 de abril de 2010

infinito

[Imagem: Larissa Marques]

I

quando o amor

acontece...

o sol me extasia


II

com as asas de fogo

rumei infinito

— meu limite.


III

vedei o impossível

para que seus

olhos me alcancem


Autor: Lena Casas Novas

sábado, 3 de abril de 2010

CRÉU, CRÉU, CRÉU OU A REGRESSÃO DA LINGUAGEM






A dança do créu é aparentemente uma musiquinha inocente em que um DJ vai falando e incitando as pessoas a dançar. Ele vai aumentando a velocidade e repetindo "créu, créu, créu" em velocidade cada vez maior que os dançarinos têm que acompanhar.

Como brincadeira é algo divertido e como exercício aeróbico é extremamente interessante para queimar calorias.

Agora vamos pensar do ponto de vista linguístico: o que significa a palavra "créu"? Ela não está dicionarizada, embora já faça parte da boca do povo há um tempão. Nunca foi usada assim sozinha, mas sempre com um verbo junto: a expressão é "dar um créu" que pode significar apertar, intimidar, agarrar, forçar ou até mesmo com conotação sexual, uma gíria para a transa, a cópula.
Assim podemos dizer que o significado dessa "música" tem um sentido sexual, embora o seu autor, Sérgio Costa, o MC Créu, diga que a tenha criado a partir de uma fala de seu filho que 7 anos que dizia "créu, créu, créu". Depois dessa iluminação ele criou a letra, colocou umas mocinhas com atributos interessantes e extremamente inteligentes para criar novas e criativas coreografias que mostram o quanto contribuem para valorizar a mulher e voilá! Estava criado o hit do momento! E de repente todo mundo começa repetindo a grande e iluminada frase "créu, créu, créu" à exaustão. Até criancinhas que mal começaram a falar repetem incessantemente o refrão.

É aí que paramos para pensar: o que ocorre? Que estranho fenômeno é esse que faz com as pessoas fiquem repetindo sons que mais parecem grunhidos?Isso não é algo novo. A cada verão surge um grupelho novo com um tipo desse de som e de coreografia para aquecer a estação e duram exatamente esse tempo: uma estação. Porém, a mídia explora ao máximo esse momento e usa esses grupos e suas garotas como um creme dental, espremendo até o fim. Quando acaba, jogam fora mas arrumam outro para substituir. É o mesmo velho com cara nova. Mas isso só ocorre porque encontra eco nas pessoas que consomem essa mídia, porque se não encontrassem, não haveria tanto sucesso.

O que nos leva à nossa reflexão sobre a regressão da linguagem. Parece que há um retrocesso do pensamento e da linguagem, pois surgem letras vazias, desprovidas de sentido, mas que chamam a atenção pelo ritmo e é aí que todos repetem, mecanicamente, como se fosse apenas um som, um eco.
Onde foi parar a criatividade?
Geralda Dias

quarta-feira, 31 de março de 2010

MARIA




Ela se arruma em frente ao espelho. Penteia os cabelos negros de índia. A noite está bonita, cálida, quente. Talvez hoje eu volte mais cedo para casa. Talvez hoje eu possa ficar com meu filho... Um choro de criança... O que foi, meu filho? Mamãe, você vai sair? A mamãe precisa ganhar o seu pão. Não quero pão, mamãe, quero ir com você. Me leva, tenho medo de ficar sozinho. Tem medo, não, filinho, durma, que mamãe já vem.
Sai com dor no coração. Quando será que deixarei esta vida? Quando poderei cuidar do meu filho? Ela está bonita. Seu nome, Maria, igual ao de tantas mulheres, mães iguais a elas, mas amparadas por seus maridos, pais, famílias... E ela? Pra ela, nada. Pra ela, resta ser a privada do mundo. Pra ela, resta a desventura de ser mulher sozinha, sem profissão, sem emprego, de ter um filho sem pai...Meu filho...Única criatura que me ama. Única criatura pela qual ainda importa viver...
Um homem se aproxima interrompendo o fio dos pensamentos. Maria vai...Os corpos unidos...O homem grunhe de prazer. Maria não deixa de pensar no filho. será que está dormindo? Será que está bem? O homem se vai e Maria volta ao seu lugar. A angústia toma conta dela. Quero deixar esta vida. Quando poderei? Quero ser só eu. quero ser só mãe. Quero amar um homem. Quero sentir prazer. Por que não posso? ...Outro homem...
Maria volta para casa. O dia está quase amanhecendo. Em seu coração, a noite também começa a ir embora. Ela vai poder ser ela de novo. Vai poder parar de fingir um prazer que não sente... Abre a porta silenciosamente. O menino dorme. Ela faz o café para quando ele acordar. Mamãe, você voltou?! Tive medo. Ouvi barulhos lá fora. Onde você estava? Fica calmo, filinho, mamãe está aqui agora. Trouxe pão, leite, doces, leva tudo para a cama e comem juntos, alegremente. Maria está feliz. Lembra-se de sua infância, conta histórias, canta. apesar da noite em claro, não dorme para usufruir da companhia do filho.
Mas o dia acaba e a noite chega com suas angústias. O menino está doente e Maria não pode sair. A doença durou dias. O dinheiro não deu para comprar os remédios. Numa noite friosa, o menino morreu. Silenciosamente... Maria não chorou. Ele estava livre. Não ia mais ficar sozinho. Os anjos iam cuidar dele... Ah, mas ela também queria cuidar! Foi ao fogão, inspecionou o botijão do gás, verificou que estava cheio. Tampou todas as frestas e, silenciosamente, dormiu...
Ninguém notou a falta dos dois, nem mesmo os clientes de Maria, tantas são as moças que esperam na esquina como ela. Só no dia em que o senhorio foi cobrar o aluguel é que sentiu um cheiro estranho. Chamou a polícia que arrombou a porta. Os dois corpos estavam em decomposição, mas, mesmo assim, dava para vislumbrar o sorriso no rosto de Maria, que agora cuidava de seu filho.

GERALDA DIAS

sábado, 20 de março de 2010

Ficamos assim

fica o grito
pelo não-dito

fica o choro
pelo socorro
não dado

fica o futuro
no passado

fica a traição
pela falta de ação

fica o “não”
pelo excesso de “sim”

vamos combinar assim:
fico eu sem você
e você sem mim

MARIANA VALLE


foto de Alexandre Grand
modelo: Larissa Guitarrara


Para ler outros textos da autora, clique aqui

terça-feira, 9 de março de 2010

Movimento geóide


Lá fora,
o mau cheiro do pólen.

Queimado pelo pavio da chaminé.
Construída pelo ego que destrói.

Que cessam as pétalas de bem-me-quer.

Arrancam o palmito
do tronco que chora.

Direitos Humanos?
Há esperança de melhora
em cinqüenta anos?

Com seu movimento geóide,
Sente uma dor pulmonar.

Pela combustão que explode,
Espera essa cratera sarar.

Ainda se ouve o tinir da esfera.
Conduzida pelo ego que destrói.

Que perturba o planeta Terra.

Lena Casas Novas - Da obra Incessante

>> Dedicado ao Tiago Malta <<

domingo, 7 de março de 2010

Rasante

Ontem estive só. Logo eu, tão povoada!

Meu só é imaginado, desejado com tanta força que quando alcanço já estou cansada
e quero amor
(sinto-me tão idiota falando de amor quanto um ateu dando graças a deus:blasfêmia ás avessas).

É, sinto falta de amor.
Aquele amor-instinto de perpetuar espécie, darwiniano, não o amor fingido das putas
e esposas vitorianas pra criar bem os filhos.

Amor verdadeiro é o de tigreza no cio. Tigreza com z é mais selvagem, já disse.
Pensa bem, e responde sem hipócrisia...
Eu disse sem hiporisia!

Acordei pedindo uma nova paixão.
Sem essa de promessa de ninho. Ninho é coisa de passarinho bobo.
Quero queimar ninhos e voar, percorrer savanas.

Só não me deixe esquecer isso.

sábado, 6 de março de 2010

Espero-te


Espero-te

Que dor que é a saudade
Queima como fogo a pele nua
Gela a alma solitária
Estremece a espinha quebrada
Espero-te como o sol à lua
Numa ânsia desesperada
Ele sabe que é breve o momento
Ela sabe que não há tempo
É um lapso, um segundo
Triste como uma brisa
Solitária e fria
Aguardo-te, amado meu
Com desassossego, com inquietação
Com desejos e carne trêmula
Minha pele anseia por seu toque
Minha boca ressente de tua ausência
Espero-te

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Muitos carnavais

MARIANA VALLE

Não quero só o teu corpo
e alegorias.
Nem muito menos as fantasias,
purpurinas e maquiagem.
Quero todo o teu enredo,
e a letra do teu samba.
Também o batuque
do teu coração.
Quero teu ritmo,
e tua comissão de frente.
Quero tuas alas,
tuas falas e tua mente.
Quero ser teu mestre,
sala,
cozinha
quarto e banheiro.
Quero ser tua porta-bandeira.
Quero ser tua rainha
de bateria.
Quero toda tua harmonia
nota dez.
Mas não quero ficar na plateia,
nem no camarote ou na cadeira.
Também não quero só desfilar.
Vim para ficar
o ano todo
e por muitos carnavais.

Para ler outros textos da autora, clique aqui.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

No Limite





Corri

Sob luz de faróis

Para fugir do castigo



Na cama esperava

O chicote

O falo

E o sorriso.



No gemido o atraso interveio

No estalo o umbigo

Refletindo a que veio




E você no espelho...



Me Morte



domingo, 7 de fevereiro de 2010

Letras em Teu Corpo - Flá Perez

Como Chico Buarque,

fazemos poesia e amor até bem tarde.
E ela acorda cedo de manhã.

Beija minhas costas, me acarinha .
Eu a puxo de volta, vasculho seu corpo,
encosto todo meu desejo nela.

Mulher que penso submissa, abelha rainha ,
se desvencilha e sai apressada.

Durante o dia sinto seu cheiro em minhas mãos, nos lábios,
refaço cenas, passo a passo.

À noite, quando chego da minha lida, a encontro na cama,
cabelos molhados, adormecida.

Por um tempo velo seu sono,

- algum tremor passageiro, algum sonho –

Não me contenho:
exploro, farejo, beijo.

Minha felina se estica,
abre seu sorriso mais lindo,
abre as pernas e me recebe.

Quente, quente, quente!.
Então começamos tudo de novo...

Ah! vida meio vagabunda essa da gente!
Que não acabe nunca!

(Repostagem de 03/11/007, com vídeo).

Cesar Veneziani declamando no Politeama:

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Queria Te Ver



Queria te ver
Nem que fosse só pra perguntar como estás
Queria te ver
Só pra te olhar e ouvir teus lamentos
Te ajudar com teus anseios
Ser teu alento, candeeiro
Lâmpada, luz
Queria te encontrar
Ver teu rosto cansado
Se transformar com um sorriso meu
Se iluminar com um brilho meu
Uma canção de ninar que guardo no peito
Só pra ti, só pra ti

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Soneto a Eros e Psiquê













Num aparte da nossa oração conjugada
nossos verbos tocaram um acorde infinito
nosso eco rompeu viscerais madrugadas
nossas partes fundidas num coito balido

Foste o grito em meu ventre há muito perdido
Fui teu ego acalmado na chama sentida
minha pele em teu corpo, o frio aquecido
teu prazer em min'alma, um sopro de vida!

Nosso algoz foi o tempo cravando o passado
no leito onde Eros transbordava seu leite

Despertando a Psiquê no aparte do amado
jorra o sangue vertendo lembranças tardias
de um ardor trespassado no puro deleite
acordando, d'um sopro, duas almas vadias!

Monica San

sábado, 30 de janeiro de 2010

conjugações

Eu,
você,
nós

indesatáveis.




sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

AS PEDRAS







Jamais esquecerei aquele momento
De tamanha perplexidade
No meu caminho para o meio
Havia pedras espalhadas.

Pedras havia de montão
No meio do caminho jogadas.

Como em todo meio de caminho
A gente dá mil tropeçadas
Tropecei naquelas pedras
No meio do caminho jogadas.

Pedras havia de montão
No meio do caminho jogadas.

Não sei se jogaram de propósito
Não sei se lutei em vão
Só sei que com pés machucados
De tanta pedra lascada
Cheguei no meio do caminho
Do meu caminho para o meio
Cada vez mais pedras jogadas.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Na rua

MARIANA VALLE

Quero te comer na rua,
com raiva,
na pressa.
Não dá tempo de ficar nua.
Vamos logo
ao que interessa.
Não quero romantismo,
quero desejo puro e simples,
quero a força do tesão.
Não preciso do teu cinismo,
preciso de tua paixão.
Anseio sentir tua carne
e tua veia pulsando em mim
meu mar te molha e esquenta
e eu fico louca te tendo assim.

Para ler outros textos da autora, clique aqui

domingo, 17 de janeiro de 2010

roupa suja


' o vento balança
os raios de sol
e as roupas secas no varal

o cheirinho
de alvejante
inda me escorre

-- por entre as pernas.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Ukma canta meu poema "Aureolada" - Flá Perez



Aureolada

Eu tão anjo tenho andado,
que em mim nasceram asas.

O queme perde pro céu
é esse meu grande rabo
endemoniado

e minhas coxas grossas.


(repostagem de 07/01/08 com vídeo incorporado)

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Presa























Queria que teus olhos fossem menos pontiagudos. Que não me trespassassem assim, como se minha carne não oferecesse resistência alguma ao teu sal e ao vinagre da tua saliva. Dispões das minhas partes como a preparar o teu banquete, mas limita-se a degustar lentamente como se teu apetite ainda estivesse morno.
Ainda sangro.
Enquanto afias teus caninos em outros ossos, de presas já devoradas, por certo mais saborosas ou mais "ao ponto" que eu.
Ainda sangro.
Enquanto me preparas, a fogo lento, para adornar a tua mesa e fazer parte do teu banquete.
Ainda sangro ao sentir o teu apetite e imaginar a força dos teus dentes, mas agora, meu sangue é a lava que escorre do teu vulcão em chamas, quando me chamas para saciar a tua fome.
Entre teus dentes encontro meu ponto.
E meu sangue escorre, quente, pelos cantos da tua boca.

Monica San