terça-feira, 29 de dezembro de 2009

A CAIXA DE PANDORA - GE DIAS






















O quarto escuro. O cigarro aceso. O medo. De quê? De tudo, de não sei quê. O medo dói. E a dor doía fundo nele. Mas ele escondia a dor. Dentro de uma caixinha bem cerrada. Ninguém chegava lá, nem ele. Mas de vez em quando a caixa se abria. E envenenava tudo. Aí, o som era de dor, o riso era de dor, o prazer era só dor. Mas ele lutava para mantê-la bem cerrada. Fazia de tudo para parecer alegre. Mas a alegria doía. Era de mentira, fabricada por coisas extra-reais e substâncias tóxicas que envenenavam o corpo. Mais que a dor.
Às vezes a dor escondida até que ficava quietinha um pouco lá dentro e ele parecia quase feliz. Parecia acreditar. As portas do prazer se abriam, a percepção ficava forte. A esperança surgia. Mas não durava. Algo fazia a maldita caixa se abrir de novo e tudo se perdia.
Ah, a dor. Dentro da caixa de Pandora ficava. Mas abria. Abria e fechava. Era cruel. Ele sabia que precisava soltá-la para que junto também saísse a esperança. Mas tinha medo. Ela era muito forte, essa dor. E se ele sucumbisse? Não, não. Nem pensar. Deixa ela lá, presa. Vai que junto com ela vem também o mal e então o que faço? Mas era tão terrível guardar essa dor!
Então ele foi para o alto da montanha. Contemplou o pôr-do-sol, viu nascer as estrelas, olhou o mar lá embaixo, as árvores. Tudo era tão bonito! Ele não agüentou. Começou a chorar. Depois a gritar. Gritou tanto e o mais alto que pode. Até que uma luz surgiu em seu peito e se expandiu para o resto do corpo. Atravessou-o todo e ele se sentiu derretendo. Foi quando viu que não era mais ele. Tinha se fundido às pedras e chovido toda a dor do mundo.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Silêncio


Os longos silêncios que pareciam feitos dos tentáculos de algum animal mítico. Eram eles que mais a incomodavam. Silêncios cheios de um vazio imensurável e tão vazios que faziam seus ossos doerem. O silêncio invadia todos os mundos em que ela navegava e até as almas andavam caladas, nenhum sussurro a seguia pelos cantos frios da velha casa escura, nenhuma sombra se escondia nas gretas.

Os remédios a tornavam surda a tudo que fosse incomum ou interessante. Ela suspirou e empilhou as panelas, guardou cada prato e copo em seus devidos lugares e depois voltou à massa de pão que descansava sobre a mesa já enfarinhada, onde sovou até que tudo ficasse liso e perfeito, sovou até que os reservatórios de medo estivessem vazios e ocos como a casa estava, sovou até que os nós dos dedos doessem. Depois colocou a massa para descansar e os pensamentos voltaram enquanto ela sentava quieta sem nada mais a fazer além de pensar no marido distante ou lembrar de como eram os movimentos do bebê sob sua tenda de pele.

O bebê tinha sido sua esperança de que o vazio desaparecesse. Na verdade, ele se tornara seu único refúgio a única coisa que tinha se permitido imaginar, a única esperança de futuro, mas agora não havia nada, apenas a lembrança daquela boneca morta que tinha uma pele azul de fada.

Os remédios vieram depois, caixas tarjadas de vermelho e preto que a faziam outra, talvez alguém mais aceitável, alguém que pudessem salvar.O céu estava claro e ela ergueu o rosto, estendeu seu espírito até a entrada da floresta onde sabia que a lua se espraiava e quase pôde ouvir os sussurros enrugados dos espíritos perdidos, podia senti-los agora, mais próximos do que em qualquer outro momento anterior.

Voltou rápido e agradeceu por estar sozinha. Não havia perigo de ser vista imaginando. Foi deitar e da cama ouviu quando um dos espíritos abandonados derrubou as panelas, pensou vagamente que ratos eram mais fáceis de controlar do que espíritos com senso de humor duvidoso.

Não tomou os remédios, mas empilhou as pílulas num canto do criado mudo. Olhou um pouco para elas , depois vestiu a camisola, apagou as luzes e caminhou no escuro, quando chegou à cozinha o espírito arranhava a porta e ela bocejou enquanto refazia o intrincado equilíbrio das panelas.

Lá fora o vento zumbia nas árvores, o ar se tornava subitamente gelado e os sussurros quase se tornaram uma palavra. Pensou vagamente no quanto os espíritos podem ser aborrecidos quando eram ignorados, despiu a camisola e enfiou-se nas cobertas. Sonhou que amamentava a pequena fada e que ambas tinham asas.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

B E I JO

MARIANA VALLE

Beijo de língua molhada,
safada, cremosa.
Beijo de boca gostosa, carnuda,
lábios chupando teu mel.

Beijo que me leva ao céu.

Mordida de leve - delícia! -
beijo terno ou com malícia,
beijo com fogo de quero mais.

Beijo que me deixa em paz.

Beijo, beijo, beijoooo...

Na face, pescoço, nuca,
“dizer segredos de liquidificador”.

Beijos calientes, tarados,
beijo com pressa, calor.

Beijo, ah o beijo...

Beijo de amor.

A mais perfeita tradução do desejo.

Tudo sempre começa e acaba no beijo.

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segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Decadénce - Flá Perez

Nem é preciso ser sherlock pra notar,
mesmo com os badulaques usuais,
e sem os gorros, cachecóis
dos poetas marginais,
que não sou mais chic como era antes.

Ontem foi o fim:
comi baconzitos com espumante!