quarta-feira, 31 de março de 2010

MARIA




Ela se arruma em frente ao espelho. Penteia os cabelos negros de índia. A noite está bonita, cálida, quente. Talvez hoje eu volte mais cedo para casa. Talvez hoje eu possa ficar com meu filho... Um choro de criança... O que foi, meu filho? Mamãe, você vai sair? A mamãe precisa ganhar o seu pão. Não quero pão, mamãe, quero ir com você. Me leva, tenho medo de ficar sozinho. Tem medo, não, filinho, durma, que mamãe já vem.
Sai com dor no coração. Quando será que deixarei esta vida? Quando poderei cuidar do meu filho? Ela está bonita. Seu nome, Maria, igual ao de tantas mulheres, mães iguais a elas, mas amparadas por seus maridos, pais, famílias... E ela? Pra ela, nada. Pra ela, resta ser a privada do mundo. Pra ela, resta a desventura de ser mulher sozinha, sem profissão, sem emprego, de ter um filho sem pai...Meu filho...Única criatura que me ama. Única criatura pela qual ainda importa viver...
Um homem se aproxima interrompendo o fio dos pensamentos. Maria vai...Os corpos unidos...O homem grunhe de prazer. Maria não deixa de pensar no filho. será que está dormindo? Será que está bem? O homem se vai e Maria volta ao seu lugar. A angústia toma conta dela. Quero deixar esta vida. Quando poderei? Quero ser só eu. quero ser só mãe. Quero amar um homem. Quero sentir prazer. Por que não posso? ...Outro homem...
Maria volta para casa. O dia está quase amanhecendo. Em seu coração, a noite também começa a ir embora. Ela vai poder ser ela de novo. Vai poder parar de fingir um prazer que não sente... Abre a porta silenciosamente. O menino dorme. Ela faz o café para quando ele acordar. Mamãe, você voltou?! Tive medo. Ouvi barulhos lá fora. Onde você estava? Fica calmo, filinho, mamãe está aqui agora. Trouxe pão, leite, doces, leva tudo para a cama e comem juntos, alegremente. Maria está feliz. Lembra-se de sua infância, conta histórias, canta. apesar da noite em claro, não dorme para usufruir da companhia do filho.
Mas o dia acaba e a noite chega com suas angústias. O menino está doente e Maria não pode sair. A doença durou dias. O dinheiro não deu para comprar os remédios. Numa noite friosa, o menino morreu. Silenciosamente... Maria não chorou. Ele estava livre. Não ia mais ficar sozinho. Os anjos iam cuidar dele... Ah, mas ela também queria cuidar! Foi ao fogão, inspecionou o botijão do gás, verificou que estava cheio. Tampou todas as frestas e, silenciosamente, dormiu...
Ninguém notou a falta dos dois, nem mesmo os clientes de Maria, tantas são as moças que esperam na esquina como ela. Só no dia em que o senhorio foi cobrar o aluguel é que sentiu um cheiro estranho. Chamou a polícia que arrombou a porta. Os dois corpos estavam em decomposição, mas, mesmo assim, dava para vislumbrar o sorriso no rosto de Maria, que agora cuidava de seu filho.

GERALDA DIAS

sábado, 20 de março de 2010

Ficamos assim

fica o grito
pelo não-dito

fica o choro
pelo socorro
não dado

fica o futuro
no passado

fica a traição
pela falta de ação

fica o “não”
pelo excesso de “sim”

vamos combinar assim:
fico eu sem você
e você sem mim

MARIANA VALLE


foto de Alexandre Grand
modelo: Larissa Guitarrara


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terça-feira, 9 de março de 2010

Movimento geóide


Lá fora,
o mau cheiro do pólen.

Queimado pelo pavio da chaminé.
Construída pelo ego que destrói.

Que cessam as pétalas de bem-me-quer.

Arrancam o palmito
do tronco que chora.

Direitos Humanos?
Há esperança de melhora
em cinqüenta anos?

Com seu movimento geóide,
Sente uma dor pulmonar.

Pela combustão que explode,
Espera essa cratera sarar.

Ainda se ouve o tinir da esfera.
Conduzida pelo ego que destrói.

Que perturba o planeta Terra.

Lena Casas Novas - Da obra Incessante

>> Dedicado ao Tiago Malta <<

domingo, 7 de março de 2010

Rasante

Ontem estive só. Logo eu, tão povoada!

Meu só é imaginado, desejado com tanta força que quando alcanço já estou cansada
e quero amor
(sinto-me tão idiota falando de amor quanto um ateu dando graças a deus:blasfêmia ás avessas).

É, sinto falta de amor.
Aquele amor-instinto de perpetuar espécie, darwiniano, não o amor fingido das putas
e esposas vitorianas pra criar bem os filhos.

Amor verdadeiro é o de tigreza no cio. Tigreza com z é mais selvagem, já disse.
Pensa bem, e responde sem hipócrisia...
Eu disse sem hiporisia!

Acordei pedindo uma nova paixão.
Sem essa de promessa de ninho. Ninho é coisa de passarinho bobo.
Quero queimar ninhos e voar, percorrer savanas.

Só não me deixe esquecer isso.

sábado, 6 de março de 2010

Espero-te


Espero-te

Que dor que é a saudade
Queima como fogo a pele nua
Gela a alma solitária
Estremece a espinha quebrada
Espero-te como o sol à lua
Numa ânsia desesperada
Ele sabe que é breve o momento
Ela sabe que não há tempo
É um lapso, um segundo
Triste como uma brisa
Solitária e fria
Aguardo-te, amado meu
Com desassossego, com inquietação
Com desejos e carne trêmula
Minha pele anseia por seu toque
Minha boca ressente de tua ausência
Espero-te